Com avalanche de homens solteiros para trabalhar nas obras da Suzano, cidade lida com aumento no número de casas de prostituição
É pouco mais de duas horas da tarde de uma segunda-feira. A cidade de Ribas do Rio Pardo, a 97 quilômetros de Campo Grande, está pujante, com vários carros passando pelas ruas, veículos pesados transportando materiais, estabelecimentos lotados, gente andando pra lá e pra cá pelo Centro. Tudo reflexo do explosivo desenvolvimento econômico da cidade, por conta da instalação da megafábrica de celulose, Suzano, que deve gerar no pico das obras, 10 mil empregos diretos.
Enquanto todo mundo corre a fim de preparar a cidade para a transformação que já está acontecendo, uma pessoa vive uma tarde bem mais “divertida”, se assim podemos dizer.
Ainda meio desconfiado, o gerente da Casa de Show Miná, às margens da BR-262, nos atende no portão ao lado da entrada do estabelecimento, que está fechado. Patrick Dela Veiga está em Ribas há oito meses. Ele também gerencia uma casa em Campo Grande. “Fico uma semana aqui, outra lá (em Campo Grande)”.
Quando pedimos para entrar na casa e tirar algumas fotos, Patrick declina do pedido meio sem jeito. Com a voz baixinha, ele explica: “É que está tendo atendimento agora, tem cliente aí na piscina”.
A “casa de show” ou “boate” é, na verdade, mais um dos vários pontos de entretenimento adulto e prostituição que abriram em Ribas do Rio Pardo nos últimos meses. Em uma apuração da reportagem, levantada com base em anúncios publicitários e pessoas da cidade, cerca de 15 estabelecimentos desse tipo começaram a funcionar nos últimos dois meses. E é assim mesmo, em muitos casos os anúncios de novas casas de show são feitos por meio de carros de som e panfletos.
Segundo o gerente, a casa tem oito meses de funcionamento, mas nos últimos dois houve um incremento na mão de obra e agora conta com 15 mulheres que fazem um rodízio no atendimento.
Casa Rosa x Casa de Vidro
No outro lado da cidade, em frente à antiga Estação Ferroviária de Ribas está, talvez, a boate que mais tem causado alvoroço nos últimos dias, a Casa Rosa. Com cor que faz jus ao nome, o velho casarão de dois andares foi transformado em um prédio rosa choque que chama atenção de longe.
A gerente, Angela Vandramini, de 41 anos, se mudou de Campinas, interior de São Paulo, há um mês só para comandar a Casa Rosa. Assistente social de formação, mãe de três filhos, ela gerenciava outra casa no município paulista.
“Eu, na verdade, trouxe uma coisa nova para Ribas, que é o show de strip-tease. Também estabeleci um atendimento mais profissional que não tinha aqui, por isso nossa casa é a mais lotada”.
Na parte de baixo é o salão onde os shows acontecem e o bar funciona, já a parte de cima ficam os quartos onde as meninas atendem. Segundo Angela, um programa sai em média de R$ 150,00 a R$ 200,00 a hora.
A Casa Rosa abre todos os dias a partir das 16h30 e, apesar de no momento de nossa visita, um decreto municipal limitar o horário de funcionamento dos estabelecimentos até meia-noite, Angela conta que a casa só fecha de madrugada quando os últimos clientes vão embora.
O fenômeno da prostituição é reflexo direto da quantidade de homens de todo o país que começam a chegar a Ribas. Só no fim deste ano, 1.500 trabalhadores atuam no início das obras da Suzano. “Olha, não é fácil lidar com tanta gente diferente assim, mas estou acostumada”.
Vendo terreno fértil para esse tipo de mercado, Angela já planeja abrir sua própria casa e deixar de ser empregada. “Para você ter uma ideia, eu nunca vi meus patrões, todas as tratativas são pelo WhatsApp”.
Ela conta que conseguiu um sócio paulista que irá investir em uma nova casa da qual também será sócia e se chamará Casa de Vidro. “Eu quero oferecer um serviço mais exclusivo ainda porque, muitas vezes, o funcionário de um escalão maior, com mais dinheiro, não quer se misturar, se expor para os peões de obra”.
Sem medo de contar seus planos e ser mal interpretada pelos atuais patrões, Angela diz que seu futuro está em Ribas. “Vou trazer toda minha família pra cá, com certeza é uma terra de muitas oportunidades”.
Muitas meninas que trabalham com prostituição não moram em Ribas. Como de costume nesse meio, elas fazem atendimento itinerante e vão até a cidade aos finais de semana para trabalhar.
Mão de obra
Tem gente de todo lugar, muitas de Campo Grande e cidades vizinhas, mas outras tantas de estados vizinhos, como é o caso de uma mulher que não quis se identificar, natural do Paraná. Ela trabalha em outro bar, também na BR-262, porém logo na entrada.
Mais atenciosa no começo, ao confundir a equipe com possíveis clientes, ela muda gradativamente a afabilidade ao passo que explica que, em seu estado, as pessoas não sabem sua profissão em Ribas.
Esse mesmo estabelecimento está passando por reformas. A gerente, Paula Martins Gomes, 43 anos, conhecida como “Neguinha”, fala conosco ao mesmo tempo em que recebe um grande carregamento de bebidas e coordena o trabalho de pintores e pedreiros, que trabalham nos quartos ao fundo.
“Está sendo ótimo esse período pra gente aqui, a fábrica tem trazido muitos rapazes solteiros”.
“Neguinha” dando entrevista enquanto pintor trabalha em quarto ao fundo (Foto: Leonardo França) |
Conforme Paula, os reparos estão sendo realizados justamente pela demanda atual. “Tinha quarto aqui que não estava funcionando, agora vamos botar todos pra funcionar”.
Perguntada se terá meninas suficientes para atender tudo aquilo, ela ironiza: “Ihh meu filho, isso é o mais fácil (risos)”.
Trabalho social
A questão da prostituição tem sido objeto de atenção tanto do poder público quanto da própria Suzano. O principal exemplo disso é o Movimento Agente do Bem, uma parceria entre a empresa e a administração municipal assinada no início de setembro.
O programa trata-se de um conjunto de ações de promoção dos direitos humanos no município, que visa perpetuar um legado social na cidade, inclusive para o período pós-construção. O Agente do Bem tem como objetivo mobilizar todos os setores da sociedade local para participar de ações de proteção dos direitos de crianças e adolescentes no município.
Em Ribas do Rio Pardo, a iniciativa também incluirá ações para a proteção dos direitos das mulheres em decorrência do aumento do número de casos de violência doméstica que tem sido registrado em boa parte do Brasil na pandemia de Covid-19.
Fachada da Miná, onde cliente é atendido às 14h30 de uma segunda-feira (Foto: Leonardo França)
Fonte: Lucas Mamédio do Midiamax